Recebido: 06out13Aceito: 26set14 Publicado: 13nov14
Revisado por AnônimosResumo. O conhecimento das alterações cognitivas decorrentes do consumo regular de cannabis é deficiente, em particular no que se refere a sua influência de ordem emocional. Neste estudo é revisado como o uso da cannabis pode levar a alterações neurológicas e perceptuais, em especial quanto ao reconhecimento de emoções e de situações ameaçadoras. São encontradas evidências de dessensibilização na percepção de estímulos estressores, fator de relevância potencial nas discussões sobre o desenvolvimento de psicopatologias e dependência da substância. Palavras-chave. Cannabis; Percepção emocional; Psicopatologias; Dependência.Abstract. The knowledge of cognitive changes related to the regular consumption of cannabis is restricted, particularly concerning to emotional changes. In this study it is reviewed how the use of cannabis can lead to neurological and perception alterations, particularly in what concerns to recognizing emotions and threatening situations. Evidence suggest that it occurs desensibilization of perception related to potentially stressing stimuli that may be relevant for psychopathology development and for addiction to this substance.
Keywords. Cannabis; Emotional perception; Psychopathology; Addiction.Contato: carolina.bueno@usp.br
Revisão
CannabisEstima-se que cerca de 8,8 % da população brasileira já experimentou maconha, sendo que, dentre esses usuários, 31,89 % faz uso da substância mais de 3 vezes por semana (OBID, 2005). Um estudo de âmbito nacional mostrou que cerca de 2,1 % da população brasileira fez uso de maconha nos 12 meses anteriores à pesquisa (Jungerman et al., 2010), sendo que as regiões Sul e Sudeste exibem maior número relativo de usuários. Dentre as substâncias presentes na maconha destacam-se o cannabidiol (CBD) e o delta-9-tetraidrocanabinol (THC) como principais mediadores de seu efeito. As alterações fisiológicas e farmacodinâmicas causadas pelo CBD ainda são pouco compreendidas, sabendo-se que este atua na via endocanabinoide sem alterações sobre o psiquismo, ou seja, sem efeitos psicotrópicos (Iuvone et al., 2009). A substância pode, no entanto, realçar, inibir ou ser indiferente à ação desencadeada pelo THC, dependendo da dose e da região encefálica analisada (Hayakawa et al., 2008;Malone et al., 2009). O THC é uma molécula capaz de se ligar a receptores canabinoides do tipo 1 (CB1) e do tipo 2 (CB2) levando a efeitos psicotrópicos. Os receptores CB1 são possivelmente os receptores acoplados a proteína G mais abundantes no encéfalo, presentes em alta concentração no hipocampo, algumas regiões olfatórias, caudado-putamen, núcleo accumbens, substância negra pars reticulata (SNr), globo pálido e na porção horizontal da banda diagonal de Broca. Algumas regiões do encéfalo apresentam densidade moderada desse receptor como neocórtex, núcleo basal da amígdala, hipotálamo medial e núcleo do trato solitário; enquanto outras, como o tálamo e o tronco encefálico apresentam baixa densidade do receptor (SvíZenská...